terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Fotografia


Fotografia

Não era de guardar lembranças de sua vida, muito menos de possuir momentos nostálgicos ao longo de todos aqueles anos. As lembranças simplesmente se esvaíam do seu ser e da sua mente, tornando-se tão somente fatos aleatórios que não lhe pertenciam mais.
Vivia o presente. Guardava o passado às sete chaves. Tolerava o futuro incerto.
Não lhe era uma característica eternizar um momento. Deixava-o passar, aproveitando aquilo que lhe era oferecido.
Ninguém poderia afirmar, sequer adivinhar, que ele possuísse apenas um objeto que eternizara: uma fotografia.
A única que tivera audácia e imprudência de tirar.
Uma imagem... Guardada em seu guarda-roupa velho, no fundo das gavetas levemente mofadas.
Fora apenas o que conseguira dela: um retrato.
Não imaginou que anos mais tarde sua mulher encontraria aquela velha lembrança. Muito menos que não se sentiria traída ou humilhada. Ela o tivera a vida inteira, enquanto ele só conseguira guardar parte da outra.
Levou a gravura à própria dona. Bateu na porta e foi atendida.
- Sim? – Atendeu uma mulher, sorrindo-lhe educadamente.
- Acho que isso lhe pertence - foi sua única resposta.
A outra aceitou o envelope sem dizer uma palavra. Retirou-se antes que pudesse ser  feita alguma pergunta.
A que ficara abriu o envelope, incerta. Deparou-se com si mesma em seu tempo de juventude.
Alguém se aventurara a tirar um retrato atrás de algum esconderijo.
A cena era uma das que havia ficado em sua memória: o enterro de sua mãe, realizado durante um longo dia chuvoso.
Ela jamais soube quem registrara aquele momento.
Entretanto, ele sabia...

Sabia que para ele, ela seria – para sempre – apenas uma fotografia.

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